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Cotribá e Ecoagro emitem ‘CRA digital’ inédito no Rio Grande do Sul

Em tempos em que a pandemia exige distanciamento social, aumentando a preocupação com os custos nas atividades produtivas e testando a criatividade das diferentes cadeias para sair do aperto econômico e fiscal, o agronegócio do País acaba de lançar mão de uma modalidade inédita de financiamento da produção, toda feita em ambiente digital – e quem está na operação é a cooperativa agrícola mais antiga do País – a Cooperativa Agrícola Mista General Osório (Cotribá).

O Grupo Ecoagro e a Cotribá, com sede em Ibirubá (RS), concluíram a primeira emissão de um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) com lastro em Cédulas de Produto Rural Financeiras (CPR-F) pulverizadas, para mais de um beneficiário, e 100% digitais, batizado de CRA-Tech.

A emissão, feita sem qualquer contato pessoal, é mais barata que a operação tradicional. Ela vai garantir R$ 53 milhões para financiar, neste ano, as compras de insumos de 118 agricultores cooperados da Cotribá para a produção de soja, milho, trigo e cevada.

Prejudicada pela estiagem no Sul e sem acesso a linhas especiais do governo ou alongamento de dívidas, a Cooperativa, que está prestes a completar 110 anos de fundação, apostou na operação para custear a nova safra e aliviar as despesas dos produtores.

“Fomos buscar uma alternativa para trazer fôlego e alento para produtores que foram castigados pela estiagem”, disse Ana Marlize, gerente administrativa e financeira da Cotribá.

A Cooperativa tem mais de 8 mil associados, muitos dos quais micro e pequenos, atua em 24 municípios gaúchos e faturou cerca de R$ 1,5 bilhão em 2020, segundo cálculos preliminares. Os recursos da emissão estão em caixa desde o fim de dezembro, mas a Cotribá já costura as próximas operações. “Foi a primeira de muitas”, afirmou Ana.

Inovações

A emissão só foi possível graças às mudanças da chamada Lei do Agro, que flexibilizou as operações de crédito do agronegócio para estimular novas fontes de financiamento. A legislação permitiu que a CPR seja emitida de forma eletrônica, sem uso de papel, e que as assinaturas, antes de próprio punho dos devedores, também possam ser digitais.

Outra inovação foi o fim da necessidade de registro em cartório, o que diminuiu custos e burocracias na operação. O processo de originação, emissão e registro dos títulos foi concluído em pouco mais de 30 dias, segundo o sócio-fundador da Ecoagro, Moacir Teixeira.

Tecnologia

O processo começou com a originação de 118 CPRs-F, uma para cada produtor, na Plataforma Digital Agromatic. Elas já foram registradas na BM&F e, posteriormente, empacotadas em forma de CRA pela Ecoagro para captação dos recursos.

“Os lastros dessa operação foram todos formalizados digitalmente com apenas um comando, utilizando da integração via API dos sistemas Agromatic elevados a registro na BM&F”, disse o co-fundador e CEO da agtech Agromatic, Laerte Alves Junior. “O grande diferencial foi a pulverização, já que a emissão envolveu mais de cem agricultores e a concentração de todo o processo em uma só plataforma”.

Cristian Fumagalli, sócio e diretor de relação com investidores da Ecoagro, realçou o uso da tecnologia na emissão dos títulos. Segundo ele, na mesma linha de atuação das fintechs, essa operação pode ser chamada de CRA-Tech. “Isso mostra que o CRA também pode ser uma ferramenta de captação de recursos que utiliza plataforma eletrônica dentro do seu processo de securitização”, disse.

Para Moacir Teixeira, o principal benefício da tecnologia é permitir o acesso ao mercado de capitais aos pequenos produtores. “É a democratização do crédito. Muita gente no mercado duvidava, mas isso chegou ao micro e ao pequeno produtor por meio de um movimento organizado, que é a cooperativa, e com o uso da tecnologia. É um grande avanço”.

Alívio

A garantia para a operação é o penhor de soja, mas a amortização do CRA será feita em quatro parcelas anuais até 2025, data de vencimento do título, com incidência de juros.

“Os produtores vão financiar a safra e diluir as obrigações em quatro anos. É um bom alívio nesse momento complicado”, indicou Ana Marlize, da Cotribá. Os R$ 53 milhões foram captados via investidores em cotas sênior e mezanino mais a cota subordinada, integralizada pela Cooperativa.

Mapeamento

O registro das CPRs passou a ser obrigatório a partir deste ano para algumas modalidades (acima de R$ 1 milhão), mas já existem mais de R$ 50 bilhões registrados na BM&F.

“Será possível mapear o volume e a concentração dessas operações pelo País. A consequência disso pode ser um barateamento do custo do crédito para os produtores rurais, o que pode ajudar a fomentar o setor”, disse Fabio Zenaro, diretor de Produtos de Balcão e Novos Negócios da BM&F.

Desafio

O início de operações digitais financeiras por parte de agricultores de pequeno e médio portes entusiasmou o Ministério da Agricultura, mas expõe o atraso do campo brasileiro nessa frente em relação a outros países e a outros setores. Mesmo assim, a expectativa é que as CPRs eletrônicas ajudem a captar dezenas de bilhões de reais para esse público nos próximos anos.

“Atingir pequenos e médios produtores é o grande objetivo, pois permite um tratamento massificado de esforço operacional, barateia os custos e diversifica os riscos”, afirmou José Angelo Mazzillo Júnior, secretário adjunto de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, ao Valor Econômico.

Segundo ele, a demanda por finanças estruturadas e operações eletrônicas vai crescer, o que dá vantagem a quem se organizar primeiro. “O crédito vai chegar com mais qualidade e os produtores têm as cooperativas, as associações e as revendas como polos de concentração para acessar esse dinheiro. Quem se organizar primeiro ganhará mais mercado”, disse.

Financiamento

Em 2021, o secretário quer “entrar mais firme no mundo da digitalização” para buscar financiadores para o agro com a proposta de criação da Cédula de Crédito do Agronegócio (CCA). Novas fontes serão essenciais, mas o governo manterá o papel central no crédito por enquanto, afirmou Mazzillo Júnior.

“Para o próximo Plano Safra, não trabalhamos, em hipótese alguma, com qualquer ideia de orçamento menor e que não seja até um pouco maior do que foi ano passado”, disse. “A produção cresce de forma acelerada, bate recorde e traz divisa e arrecadação. Não tem como o apoio ser menor. É uma troca que deve ser feita em benefício do próprio País”.

Nesta safra 2020/21, são quase R$ 15 bilhões em subvenções, entre equalização de juros e programas de comercialização e gestão de riscos. Em dezembro, o subsecretário de Política Agrícola e Meio Ambiente do Ministério da Economia, Rogério Boueri, disse ao Valor Econômico que os recursos ficarão “cada vez mais difíceis, disputados e complicados” no cenário de déficit primário e dívida pública nas alturas.

Confira aqui a matéria na íntegra no site do Valor Econômico.

Fonte: Valor Econômico