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Cooperação em alta

A pandemia do novo coronavírus provocou a ampliação das ações de intercooperação, sexto dos princípios do cooperativismo, que tem como pilares a colaboração entre pessoas e estruturas em todos os níveis. Neste período de atividades econômicas reduzidas e isolamento social, no entanto, quem mais recorreu às associações foram as pequenas cooperativas de produção, transporte e consumo, motivadas pela necessidade de obter escala e chegar a mais consumidores para manter a renda de seus associados. Ao mesmo tempo, grandes organizações, com milhares de cooperados e faturamento bilionário, também anunciaram algumas novas operações conjuntas, que já estão em andamento ou têm início previsto para os próximos meses.

A intercooperação consiste na colaboração mútua entre associados ou cooperativas locais, regionais, nacionais ou internacionais, do mesmo ramo ou não, com a finalidade de reduzir suas carências. “As cooperativas têm de cooperar entre si, não importa tamanho e ramo, pode ser de pequena para pequena, de grande para pequena, de grande para grande”, afirma o presidente do Sistema OcergsSescoop/RSVergilio Perius. “Este é o DNA do cooperativismo“, complementa o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (FecoAgro/RS), Paulo Pires.

É o intercooperativismo que faz, por exemplo, com que dezenas de cooperativas, muitas delas com foco nos grãos e sem indústria processadora, entreguem o leite de seus associados para uma central processar. Ou que outras dezenas se unam em rede para fazer compras em conjunto e reduzir custos. Ou que pequenas cooperativas de produção de frutas e hortigranjeiros firmem convênios com terceiras, de transportes e de consumo, para expandir mercados para além de suas regiões. Ou, ainda, que quatro unidades de banco cooperativo se juntem para financiar uma usina de uma cooperativa de eletrificação.

Entre as vantagens mais mencionadas por essas cooperativas está o ganho em escala. “Há benefícios difíceis de (uma organização) alcançar sozinha, como o acesso a novos mercados e a processos de inovação e tecnologias”, explica o diretor executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), Hélio Marchioro. Mas, para tudo isso dar certo, o coordenador do Ramo Agropecuário da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), João Prieto, lembra que “não tem que haver concorrência entre cooperativas”.

Com a pandemia, Pires acredita que ficou ainda mais claro que ter práticas intercooperativas “é uma exigência do mercado atual para se manter”. A Rede de Cooperativas da Agricultura Familiar e da Economia Solidária (Redecoop), que possui 44 cooperativas associadas em sistema intercooperativo, sentiu isso em março do ano passado, quando, com a crise sanitária, sua receita começou a despencar, já que as escolas, que eram o seu principal mercado, estavam fechadas. “Graças à rede, conseguimos nos organizar e começar a vender cestas básicas para mercados privados, o que acabou reduzindo o prejuízo final”, destaca, hoje, o presidente Charles Lima.

A Redecoop vendeu cestas populares com produtos da agricultura familiar ao Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (Adufrgs Sindical), ao Sport Club Internacional e ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), entre outras instituições, que doaram para pessoas carentes. No total, foram vendidas 7 mil cestas, equivalentes a 120 toneladas de alimentos, por R$ 546 mil.

Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (Coomafitt), que possui 273 associados, também passou por um sufoco semelhante. Para escoar a produção, resolveu criar o site loja.coomafitt.com.br, com a ajuda da cooperativa GiraSol, que já tinha feito o seu.

A plataforma possibilitou que se alcançasse consumidores da região de Porto Alegre. O faturamento caiu 6,7% de 2019 para 2020 (de R$ 4,5 milhões para R$ 4,2 milhões), mas o novo mercado evitou que se instalasse uma situação de crise.

Antes da pandemia, as compras institucionais (de prefeituras, programas sociais e quartéis) absorviam 90% da oferta da cooperativa. Durante o ano passado, as compras individuais, feitas diretamente pelos consumidores, ampliaram sua fatia para 35%.

Para Prieto, esse e outros exemplos indicam também a tendência de cooperativas buscarem iniciativas de intercooperação no âmbito digital para resolver problemas competitivos. Em abril, a FecoAgro deve entrar nessa lista, já que planeja lançar, por meio de suas 29 associadas, o Smartcoop, uma plataforma inédita no ramo. Com o site, será possível fazer um gerenciamento on-line da propriedade, promover a comercialização entre produtores e cooperativas e comprar insumos coletivamente. “A principal vantagem, no entanto, será a de que o produtor é o dono da plataforma, diferentemente da Uber, por exemplo”, compara o diretor superintendente de uma das associadas, a CCGL, Guillermo Dawson.

Matéria publicada no Caderno Correio do Povo Rural do dia 14 de março de 2021