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Atrair o jovem ainda é desafio

Na nova edição da revista Goiás Cooperativo um dos destaques é a entrevista com o professor universitário Marcos Schwingel, que há 20 anos estuda o setor, no qual já exerceu diversas atividades em áreas como Negócios, Comunicação e Marketing. Para o especialista em Gestão de Cooperativas e Pedagogia da Cooperação três fatores são primordiais para o desenvolvimento do cooperativismo. São eles: conhecer os sonhos dos cooperados, investir no desenvolvimento profissional e envolver o público jovem.

Leia abaixo alguns trechos da entrevista. O material completo pode ser conferido, clicando aqui.

O cooperativismo ainda não consegue atrair jovens. O que precisa ser feito para mudar essa situação?

Estou trabalhando com dez cooperativas, com programa de jovens. Primeiro, temos que definir o que é jovem para a cooperativa. Hoje, há duas interpretações: uma que diz que vai até os 25 anos e a americana, que diz que vai até 35. Outro ponto em é que a cooperativa, hoje, é de velhos, ou melhor, de pessoas mais experientes. Não é que isso não valha. A gente precisa pegar essa experiência e trazer com as competências que os jovens têm. Mas não dá para uma cooperativa de pessoas experientes querer construir programas para os jovens.

O que a gente tem feito é trazer os jovens para a participação da construção de programas para eles mesmos. Hoje, a pessoa que mais consegue trabalhar essa mobilização do jovem no Brasil chama-se Edgard Gouveia. Ele criou um jogo, com uma metodologia chamada Oásis. Um dos passos é que os jovens participantes têm que apresentar um “milagre”, que é algo físico que o jovem precisa fazer. O jogo virtual começa com um jovem, que cria toda uma equipe e muda uma realidade social, a partir do disparo de uma mensagem de Whatsapp. E aí, o jogo vai evoluindo, sem dinheiro. Isso que é o bacana.

O jovem gosta muito de desafio e isso tem no cooperativismo, só que tem de ser numa linguagem diferente. A cooperativa não vai atrair jovens, se ela continuar fazendo assembleia do jeito chato que é hoje. Não vai trazer jovens se o presidente, embora tenha uma experiência, não entender que a cooperativa tem que ser feita para todos; ele não vai perder o poder se tiver essa coisa compartilhada. Então, é trazer essa horizontalidade para o cooperativismo.

E atrelado a tudo isso, pegar os valores de Rochdale com os valores atuais. Costumo dizer que valor é aquilo em que eu acredito, mas dificilmente mudo. E princípio é como eu boto em prática aquilo em que acredito. Então, em vez de decorar todo o estatuto de uma cooperativa, seu eu memorizar os sete princípios, sei o que está escrito no estatuto, essa é a lógica.

Hoje, a literatura traz nove valores do cooperativismo, mas gosto de trabalhar com dois que não aparecem ali, que são os que, para mim, a gente precisa resgatar com os jovens: o valor do diálogo e da ajuda mútua. Ajuda mútua, na verdade, é um ajudar o outro. Tem uma teoria de um padre chamado Odelso Schneider, da Unisinos, que fala que as cooperativas que deram certo foram as que conseguiram atrelar ajuda mútua com autoajuda.

Você disse que a gestão por propósitos, e não por metas, é um caminho seguido por algumas cooperativas. Essa é uma tendência?

É. Tenho atuado muito com o ramo crédito e, nesse ramo, é uma tendência. Eu brinco que a gente fala, no crédito, que as cooperativas são quase iguais a um banco, mas não são um banco. Isso é uma mentira que a gente conta. E a gente conta muita mentira para o associado, por não saber o que está dizendo.

Essa é uma delas. A cooperativa é completamente diferente de um banco, mas tem produtos e serviços iguaizinhos aos dele. Essa é uma resposta certa. E esse “completamente diferente” é que precisa ser percebido, porque as pessoas não são aquilo que dizem, mas o que fazem. Não adianta a cooperativa dizer seus diferenciais se, quando o associado entrar nela, não perceber essas diferenças no atendimento, no relacionamento.

Tenho apostado muito nessa gestão do propósito, para mostrar, de fato, porque a gente é completamente diferente.

Junto com a crise econômica, o desemprego talvez seja um dos principais problemas do país. O cooperativismo pode ser uma alternativa nesse momento?

Ele é uma alternativa à crise, em todos os sentidos. Não é só uma questão de ser associado, mas até pela prática do 5º princípio, de educação, formação e informação. Na Região Sul, estão apostando muito nas cooperativas educacionais. Só no Rio Grande do Sul, são 110 cooperativas escolares, hoje. Tem a Casa Cooperativa, que fica em Nova Petrópolis, que já tem encontro dos presidentes de cooperativas escolares; tem treinamento para conselheiros dessas cooperativas.

Eu atendo alguns municípios e um deles, muito pequenininho, tem dificuldade enorme. Se ele não olhar para frente, vai deixar de existir, porque o número de alunos vem reduzindo muito, no interior de cidades pequenas, e a cooperativa escolar está ajudando toda a comunidade. Então, na verdade, é fazer esses jovens entenderem que, se sozinhos eles não conseguem, juntos, eles conseguem produzir alguma coisa e gerar uma economia para aquela região.

Digo que a crise não é financeira, é de valores. Ela tem uma coisa muito forte a ver com a crença das pessoas, tem a ver com individualismo. Quando eu realmente acredito que, se eu me juntar com alguém, consigo ser mais forte de verdade, não tem como não acontecer. Tem uma fala de um presidente que diz: “Se as coisas ainda não deram certo, é porque a gente ainda não se organizou”.

E essa forma de organização, para mim, é o cooperativismo. Então, mais do que ser um instrumento de organização econômica, de uma sociedade, o cooperativismo é um gerador de renda. Tem várias possibilidades em que ele ajuda os pequenos. Ele acredita no pequeno, não olha só a capacidade de pagamento. Como as cooperativas estão nos pequenos lugares, conhecem muito as pessoas.

Como é uma sociedade de pessoas, a cooperativa consegue olhar pelo ser humano e dizer: a pessoa não é assim, ela está assim. Gosto muito do cooperativismo, porque ele opta trabalhar com pessoas e não com rótulos. A pessoa não é um inadimplente, ela está inadimplente. Ela não é uma má pagadora, não pagou, porque está numa situação ruim.

Então, a cooperativa consegue olhar o momento em que a pessoa está vivendo, mas olha o todo dela e diz: “eu aposto em você”. E esse voto de confiança, nesses momentos de crises, nos momentos de dificuldade, é o que faz o cooperativismo forte. Ele vibra com o sucesso dos associados. Claro que precisa ter resultado, mas o maior deles é olhar efetivamente o resultado dos seus associados. É olhar a última linha do balanço com impacto social, ambiental e cultural.

Quer ler a entrevista na íntegra, clique aqui.

 

Fonte: Sistema OCB